Por Dra. Carolina Meireles Rosa
O dia 8 de abril começou como qualquer outro na Escola de Referência em Ensino Médico Ageu Magalhães, localizada na zona norte do Recife, em Pernambuco. Após o almoço, porém, um grupo de alunos apresentou uma série de sintomas inesperados, como tremores, dificuldade para respirar, suor excessivo, desmaios e choros.
No total, 26 adolescentes tiveram esses incômodos de uma só vez, o que exigiu o envio de seis ambulâncias e duas motocicletas para atendimento de emergência. Apesar da confusão, nenhum dos acometidos precisou ser enviado para o hospital.
Embora chame a atenção, episódios como esse não são exatamente novidade: surtos psicóticos coletivos, cujo nome oficial nos manuais de medicina é “reação psicogênica de massa”, são registrados há pelo menos 600 anos — desde o século 14, quando ocorreram as “febres” de dança incontrolável que acometeram povoados inteiros na Europa, até uma grave crise de estresse que afetou adolescentes do Acre após a vacinação contra o HPV em meados de 2015.
Em resumo, esse fenômeno está relacionado a uma série de sintomas — que vão de crise de ansiedade e náusea a desmaios e paralisias — e atinge dezenas ou centenas indivíduos que integram o mesmo grupo social.
Entenda a seguir como acontecem esses surtos psicóticos coletivos e o que pode ser feito para prevenir ou combater eventos desse tipo.
Emoções são transmissíveis
O psiquiatra José Gallucci Neto explica que a reação psicogênica de massa é um problema “coletivo e compartilhado, que envolve sintomas físicos ou emocionais e para os quais não existe uma causa biológica ou um fator externo”.
Em outras palavras, a reação daqueles indivíduos não pode ser explicada por uma doença infecciosa ou pela intoxicação por um gás que contaminou o ambiente que eles compartilham, por exemplo.
“O que desencadeia esse processo é o psicológico, a proximidade e o compartilhamento de crenças entre as pessoas”, diz o especialista, que é diretor do Serviço de Eletroconvulsoterapia e Eletroencefalografia do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo.
“Ao ver alguém passando mal, nosso próprio psiquismo pode nos sugestionar de que também estamos sofrendo com aqueles mesmos sintomas. Na sequência, começamos a ‘monitorar’ o corpo e interpretar qualquer sinal como algo preocupante.”
“Isso, por sua vez, gera uma reação em cadeia e leva a surtos coletivos”, completa o médico.
Entre os sintomas típicos da reação psicogênica de massa, Gallucci lista falta de ar, tontura, sensação de desmaio, ânsia de vômito, náuseas, crises de ansiedade, contrações musculares, convulsões e paralisias.
E tudo isso acontece justamente pelo fato de vivermos em sociedade e nos importarmos com os sentimentos dos outros, especialmente daquele grupo mais próximo e com o qual nos relacionamos.
“A sociabilidade é uma necessidade de sobrevivência da nossa espécie”, analisa o psiquiatra Lucas Spanemberg, pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul.
“Nosso psiquismo é estruturado a partir dessa capacidade humana de se importar, se empatizar, se comunicar e se afetar pelo comportamento dos outros”, complementa o especialista, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.